sexta-feira, março 31, 2006

METADE (OSWALDO MONTENEGRO)

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Pois metade de mim é o que eu grito
A outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Pois metade de mim é partida
A outra metade é saudade.

Quer as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas como a única coisa
Que resta a um homem inundado de sentimentos
Pois metade de mim é o que ouço
A outra metade é o que calo.

Que a minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e paz que mereço
Que a tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que
penso
A outra metade um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
E o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
Que me lembro ter dado na infância
Pois metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o seu silêncio me fale cada vez mais
Pois metade de mim é abrigo
A outra metade é cansaço.

Que a arte me aponte uma resposta
Mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar
Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Pois metade de mim é platéia
A outra metade é canção.

Que a minha loucura seja perdoada
Pois metade de mim é amor,
E a outra metade, também...

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